Vem aí a lei que vai mudar a Web

Do jornal O Estado de S. Paulo

29/03/2010 – Fábio Zelenski, 24 anos, trabalha com novas mídias, tem blog e usa a internet para divulgar sua banda. Frederico Pandolfo, de 25, é administrador de redes e está terminando a pós-graduação em segurança de sistemas computacionais. Além do interesse em web, os dois têm outra coisa em comum: podem ter ajudado a criar o Marco Civil da Internet, a lei brasileira que definirá os direitos e deveres dos cidadãos, provedores e do governo na web.

Zelenski e Pandolfo estão entre as pessoas que mais discutiram e enviaram contribuições nos 45 dias de consulta pública. O Marco Civil foi apresentado em outubro pelo Ministério da Justiça para ser um marco regulatório da internet, criado na própria internet e discutido pelos maiores interessados no assunto – os cidadãos. Na pauta da futura legislação estão temas espinhosos como a garantia de anonimato e a privacidade.

“Resolvi comentar porque é um assunto que envolve o que eu faço. Eu uso a internet para divulgar música e bandas, para conseguir livros, quadrinhos, softwares, para compartilhamento. E o marco vai interferir diretamente nisso”, diz Fábio Zelenski. No total, a consulta pública criada pelo governo em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ recebeu 822 contribuições na forma de comentários, e-mails, tweets e citações em outros blogs. Tudo foi condensado e transformado em um anteprojeto de lei apresentado ao ministro da Justiça, Tarso Genro, na sexta (26).

“O ministro está empolgado com a idéia”, disse ao Link o gestor do projeto, Paulo Rená. “A diferença dessa para as consultas públicas tradicionais é que as pessoas, ao entrar em contato com um órgão público, não sabem o que as outras estão falando. O ministro achou interessante o fato dos atores sociais conversarem entre si.”

Para transformar um calhamaço de 580 páginas de opiniões e comentários em um projeto de lei, o Ministério da Justiça diz que privilegiou a argumentação. “A decisão não levou em conta o quantitativo, mas o argumento que consideramos melhor dado o interesse inicial do marco, que é preservar as liberdades.”

Se a rede é um ambiente de liberdade, porque criar um marco regulatório? Porque hoje no Brasil não há legislação específica sobre o tema. Essa brecha abre espaço para projetos como a Lei Azeredo e outros projetos mais esdrúxulos.

Os internautas tiveram interesse particular nos tópicos sobre privacidade, guarda de logs, liberdade de expressão e anonimato. Esses tópicos consumiram mais tempo do administrador de redes Frederico Pandolfo. Quando ouviu falar do Marco Civil, ele nem pensava em colaborar – mas achou “alguns itens absurdos”. Pandolfo foi a pessoa que mais enviou colaborações para o Marco Civil. “Resolvi fazer meu papel de cidadão e lutar para manter o sagrado direito de pensar, me expressar e navegar livremente”, disse ao Link. Pandolfo é defensor do anonimato e não fugiu das brigas. Sim, como em todo fórum, não faltaram debates acalorados.

Essa foi uma das intenções do Ministério da Justiça, diz Paulo Rená. “Se não há polêmica, a pessoa só lê o texto e pensa ‘ok, concordo'”. Nas discussões, não houve moderação prévia – embora houvesse demanda para isso. No tópico sobre liberdade de expressão, um comentário tinha um palavrão. Outro reclamou: ‘não há moderação aqui, não?’. E um terceiro intervém, lembrando que o tema do tópico era a liberdade e, portanto, não fazia sentido manifestações de repressão.

O advogado Alexandre Atheniense conta que trabalhou com o tema com seus alunos na pós-graduação de Direito de Informática, mas reclama do prazo de consulta. “Foi complicado chegar às conclusões”, diz. Para ele, a iniciativa foi válida, mas ainda não é o ideal. “Teve o lado bom que motivou parte da sociedade a debater um tema que até então não havia sido amplamente discutido. O nível foi bom”, diz ele, que assinou a contribuição enviada pelo Conselho Federal da OAB. Na segunda fase de consulta, segundo Paulo Rená, o Ministério da Justiça deve optar por outro formato, diferente do blog em WordPress da primeira fase.

Para Augusto, da Fundação Getúlio Vargas, a qualidade dos debates “acaba com o mito de que debates na rede são desorganizados e mostra que o brasileiro sabe participar de um fórum sobre um tema importante de maneira civilizada e está engajado nas discussões políticas”.

Entenda como esse debate pode afetar sua vida – e aproveite, porque ainda dá tempo de discordar.